terça-feira, 11 de agosto de 2015

CORRUPTOS MAIS PATRIOTAS

Nossa manhã literária de hoje é com Luis Fernando Verissímo. Como todos sabem sou apreciador de boas ideias e textos inteligentes. Neste sentido, transcrevo abaixo  a crônica "As diferenças", do ilustre autor.
 
"Há muito se discute por que o Brasil não é os Estados Unidos. Temos mais ou menos o mesmo tamanho, a mesma idade e mais riquezas naturais _ por que eles são o que são e nós continuamos deitados eternamente em etc.? Há várias teses, desde a geográfica (eles não tinham como nós uma muralha separando uma costa estreita do resto, a tese da culpa da serra) até racial (latinos não são anglo-saxões, portugueses não são ingleses, ninguém é preconceituoso, mas pera aí um pouquinho), passando pela religiosa (protestantes fazem melhores capitalistas e empreendedores, católicos custaram a ficar à vontade com a usura, que já foi pecado, por isso se atrasaram) e a tese do imponderável, onde entram clima e caráter.
A diferença também estaria na nossa aversão a resoluções: não levamos as coisas ao seu limite natural, seja a outro oceano ou à guerra. Nos Estados Unidos a escravatura acabou no pau, aqui não acabou, continuou disfarçada. Lá a guerra civil foi moral e humanitária para os negros deles, mas foi principalmente econômica, significou a derrota de uma oligarquia rural retrógrada pela nova economia industrial e agroindustrial. Aqui a oligarquia rural manteve o poder real através de todo efêmero processo de industrialização e só vai largá-lo  para o capital financeiro: passaremos da barbárie para a pura especulação sem o gostinho de uma indústria nacional consequente. E a guerra civil que não houve acontece todos os dias, também mais ou menos disfarçada, ano após ano, nas batalhas pela terra.
Mas eu acho que a grande diferença está na sorte _ e na qualidade de nossos respectivos corruptos. Toda a conquista do Oeste americano foi feita de grandes caloteiros que tiveram dos bancos a tolerância que hoje eles não têm com endividados do terceiro mundo. Sorte. Também tiveram sorte de viver numa época em que dívidas honradas valerem mais do vidas humanas não era a ética dominante. Tiveram a sorte, acima de tudo, de se desenvolverem sem os Estados Unidos dando palpites falsamente desinteressados no seu ouvido. Os Estados Unidos foram os seus próprios Estados Unidos, isso sozinho explica quase toda a diferença. E como paraísos fiscais e contas numeradas na Suíça não eram comuns no século XIX e Miami ficava lá mesmo, os corruptos americanos, ao contrário dos nossos, juntavam e gastavam seu dinheiro em casa, ajudando a movimentar a economia local. Corruptos mais patriotas, eis a reposta."
Verissimo, Luis Fernando. O mundo barbáro e o que nós temos a ver com isso - Rio de janeiro: Objetiva,2008.



Nenhum comentário:

Postar um comentário